domingo, 1 de setembro de 2013

Cheers Darlin'

There's still a little bit of your song in my ear
Ainda há um pouco de sua canção em meu ouvido
There's still a little bit of your words I long to hear
Ainda há um pouco de suas palavras que eu desejo ouvir
Cannonball - Damien Rice


i.
“Desculpa.” Você disse olhando pro chão, as mãos escondidas nos bolsos da calça social.
“Desculpo.” Respondi tocando teu pulso timidamente. Engoli em seco, forçando as palavras para o fundo da garganta e deixei que você fosse embora. Era o começo do mês de setembro, final do verão e o fim do seja-o-que-for que a gente tinha. (Mas eu não sabia disso) Eu deveria ter percebido que aquilo era tua forma de dizer adeus. Com outras palavras, outras letras, outros sons, mas no fim...foi um adeus do mesmo jeito.
ii.
“Eu preciso te falar uma coisa.” Você me diz, em agosto do ano seguinte, com um sorriso fácil preso nos lábios, os olhos claros brilhando.
“Eu também. Respondo trêmula.
“Eu me apaixonei por uma menina lá em Paris.” Você confessa num misto de orgulho e timidez.
“Oh...okay.” Gaguejo.
“E você? O que quer me dizer?”
Abro a boca para responder, para finalmente te dizer tudo...
Lembro do jeito exato como costumava bocejar e se espreguiçar quando acabara de acordar. Das garrafas vazias de cerveja na mesinha da tua sala. Dos lençois jogados no chão do teu quarto, junto das nossas roupas. Da primeira vez. Da última visita. Das xícaras de café fumegando na bancada da cozinha. Lembro da tua mão hesitando na base da minha coluna, tocando muito levemente, como os dedos de um fantasma. Tua escuridão tragando um pouco da minha luz. Não me esqueci da dor entre as minhas pernas ou da ardência nos meus olhos quando você virou as costas pra mim. Dos teus dentes nos meus lábios. Da primeira vez que te fiz rir alto. Das minhas unhas fincadas na pele fina das tuas costas. De você dedilhando melodias tristes no violão. Dos nossos pés frios se tocando debaixo dos cobertores. Penso na primeira vez que te olhei intensamente e você não desviou os olhos, mesmo quando te falei coisas sentimentais de menina. Lembro das vezes que acordei na minha cama vazia, acompanhada somente pelo teu cheiro impregnado na fronha do meu travesseiro. Revivo em alguns segundos tudo que aconteceu entre nós. Quem sabe da próxima vez...
Fecho a boca. Forço um sorriso.
“Hein? O que tem pra me falar?” Você insiste, curioso.
“Oh, nada não. Esquece. Me fala dessa menina de Paris”

terça-feira, 9 de abril de 2013

Waldo hats and oversized sweaters




Eu deitei nas tuas costas, e contei cada sarda que existe entre tuas omoplatas, passei os dedos pelas tuas tatuagens, pronuncei as palavras em inglês com um sotaque engraçado e você abafou uma risada no travesseiro. Decorei cada cicatriz e cada história por trás delas. “Isso foi quando tive a boa ideia de tentar socar alguém enquanto ainda segurava uma garrafa de cerveja.” você me disse, após andarmos de mãos dadas pela primeira vez e eu ter notado a cicatriz na palma da sua mão. Eu vesti todos os teus suéters de lã, porque eles eram grandes o suficientes para esconder e aquecer minhas mãos nas mangas longas sem precisar de luvas. Você passou a usar minha boina de lã vermelha e branca e não se supreendeu quando todo mundo começou a te chamar de Waldo. E sem sequer notar acabei criando raízes dentro de você e elas expandiram-se entre tuas costelas com cada beijo contra um joelho dolorido, cada música cantarolada no pé do ouvido as duas e vinte e oito da manhã, com cada suspiro, cada toque de mãos pronlongado para aquecer dedos dormentes pelo frio, cada sorriso que cria ruginhas no canto dos teus olhos. Eu que sempre fui sem patria, sem casa, sem nada, passei a te chamar de lar. Você enrola os braços na minha cintura e solto um suspiro de alívio, ah como é bom estar em casa, os pensamentos se silenciam, cada músculo contraido finalmente relaxa e por alguns segundos fico completamente serena. Eu bato o pé no chão, e cerro os dentes, digo que te amo há alguns meses, mas acho que venho te amando desde o dia que nos conhecemos, desde o primeiro apelido idiota. Te amei antes da cicatriz ridícula em tua sobrancelha e depois da primeira risada exagerada. Te amei durante tua fase punk, te amei quando você roubou as chaves do carro do meu melhor amigo e sugeriu que fugissemos pro sul da França. Te amei depois de um domingo na cama bebendo chá quente, ouvindo a chuva batendo contra as janelas. Te amei antes, durante e depois.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Part of me, apart from me.


My sister, what made you fall from grace
Minha irmã, o que te fez cair da sua graça?
I'm sorry that i was not there to catch you
Me desculpe se eu não estava lá para pegar você
O'sister - City and Colour


Eles são tão parecidos que é impossível não perceber de cara que são irmãos. O mesmo cabelo preto, os mesmos olhos claros. O mesmo sorrisinho enviesado. E ele nunca se incomodara com isso, até ela morrer. Até que o simples fato de olhar-se no espelho transformou-se em um tipo de tortura, um lembrete constante, uma ferida aberta.
Mas talvez o pior nem fosse não lembrar ,mas sim ir aos poucos esquecendo de detalhes que pareciam não importar, como o cheiro da pele dela. Ela usava um sabonete de romã ou algo assim que sempre se impregnava nas roupas dele depois de um abraço. Ou o som da sua voz , o jeito que costumava prolongar as vogais ao falar palavrão, tipo “Poooorraaaa, eu te avisei, caralhoooo”. E em qual tornozelo ela tinha aquela cicatriz em forma de lua crescente, o direito ou o esquerdo?

No aniversário de cinco anos da morte dela, ele está deitado na cama, olhando pro teto, completamente sem sono. Está chovendo e o som o faz se lembrar de uma noite de tempestade quando eles eram crianças e ele costumava ter problemas pra dormir.
Ele fecha os olhos com força.
“Deita e escuta a chuva batendo nas janelas.” O som soa tão claro em sua mente que de repente parece que tem doze anos de novo e não há nada de errado, sua irmã está na cama ao lado, então está tudo bem, não é preciso ter medo. Mas é só uma lembrança distante, borrada pelo tempo e pela dor.
“Eu te vejo em duas semanas”
essas foram as últimas palavras dela pra ele, aquele é o último abraço que eles compartilharam. “Não morra de saudade.” Ela falava implicante, o úlitmo sorriso torto nos lábios.
Ele olha pras cadeiras no canto do quarto, e lá estão eles, conversando, o cabelo preto idêntico, os olhos no mesmo tom esverdeado. Ele confessa pra ela que se apaixonou por alguém que merece coisa melhor, merece alguém menos complicado, menos magoado.
“Deixa de besteira” ela responde, batendo no seu braço, para, sei lá, ênfase. Ele escuta os conselhos que ela tem pra dar, porque ela é a irmã mais velha e entende dessas coisas.
A chuva diminui gradativamente e finalmente cessa.

Ele abre os olhos.
As cadeiras estão vazias.